terça-feira, 11 de maio de 2010

Delírio


Andando. Gostaria de poder dizer que tudo o que ouço é o barulho de meus próprios passos. Não posso. Tudo o que ouço são os murmúrios dos fantasmas a minha volta. Eles me pedem para continuar no escuro, mantê-los vivos e bem alimentados.
Eles vivem de dor, eu os alimento. Mas não é em troca de nada, eles me mantém longe da crueza da realidade, uma rosa espinhenta sem pétalas.

É como uma madrugada. O frio, o escuro, a neblina. E aquela tímida claridade ao fundo, anunciando os futuros raios solares. Eu ando. Escutando meus fantasmas e olhando para o céu, ao fundo.

 Eu tenho muitos anos vividos; o mundo real me diz que não, mas este aqui diz que sim. Eu tenho asas, sujas e quebradas; o mundo real diz que sou insana, eu vôo aqui. Eu arrasto correntes. Os dois mundos sabem que sim.

 Eu ando. Os raios de sol se tornam cada vez mais eminentes. Os fantasmas dizem “fique. Fique”. O sol me chama. “Preciso ir” respondo, em tom de súplica. Amo-os. Alimentamo-nos mutuamente e de maneira doentia. Mas não posso ficar. Preciso viver e mostrar que estou bem, as pessoas do mundo real não podem saber. Elas julgam, elas condenam.
 Os raios surgem e eu volto. Cores, alegria. Tudo representado e falso. Pessoas rindo de tragédias, sorrindo vaziamente. Uma rotina maçante. Pessoas, pessoas, pessoas, monstros. Me assustam. A rosa espinhenta sem pétalas. Sangue transparente escorrendo de seus espinhos, minhas lágrimas. Mas eu ignoro a dor e sorrio, é o que se faz aqui. Responda os ataques com um sorriso, eles não podem saber que o atingiram. Respirar fundo, contar. Mude-se para que possa se encaixar em uma forma que não é a sua. Mas está tudo bem, você consegue. É o que se faz aqui. Viver, viver! 

Agora o céu vai se tornando escuro novamente. Os fantasmas chamando meu nome, alegremente, eu aceno para eles. Com a caneta na mão, escrevo-lhes um retrato, alimentanto-os. O sol se põe. Eu ando, eu corro, para eles. E percebo que é apenas em um mundo em que quero e devo ficar. Mas como não ser arrastada de volta todos os dias pela realidade? Romper o fino fio que me prende ao lado errado. Algo que rompa a proteção do fluido vital que me faz abrir os olhos e lutar contra a maré, todos os dias. Algo que rompa. Uma linha horizontal, dolorosa.
 Sim. A rosa espinhosa e, enfim, com pétalas vermelhas, que vão se tornando cada vez mais carmins conforme os segundos passam. Estou em casa.