quarta-feira, 30 de março de 2011

Boderline

 “this storm of thorns is growing ....[hate me]
there's no end in sight
chaos claws my jaw
and incites a mental riot”


Não reconheço a pessoa refletida no espelho. Meu rosto desfigurado pela mágoa e pelo cansaço.
 “Eu odeio a minha vida”
Tranco a porta, apago as luzes e fecho a janela, não preciso ver nada ao redor, apenas o ódio dentro de mim. Concentro-me no sentimento corrosivo subindo de meu peito à minha garganta.
“Eu odeio a minha vida”
O pior é não saber se realmente o sinto ou se é apenas mais um sintoma da doença. Quantas das coisas que eu sinto são verdadeiras? E se nenhuma for? Contorço-me em agonia, apertando meu estomago que parece sustentar o vácuo. Os piores pensamentos envolvendo minha mente em uma névoa escura. Por que com isso me sinto em casa?

 “EU ODEIO A MINHA VIDA”

Tudo me machuca, não há um lugar seguro. Não há braços me amparando quando eu caio, não há o calor envolvendo-me o peito gélido. Eu sou a única pessoa que me toca.

“EU ODEIO A MINHA VIDA”

Todos me odeiam, todos me desprezam.
É difícil respirar, mas prefiro assim a ter aquele sentimento tão passageiro e ser derrubada brutalmente ao chão em segundos. Ao menos a dor é constante e é verdadeira. Ninguém vai roubar a dor de mim como roubam a felicidade.
Comemoro a única e densa lágrima que escorre por minha face. Mesmo que seja só uma, é uma vitória poder tirar qualquer coisa de dentro de mim.
 Ignoro a voz que me chama do lado de fora. Mesmo que quisesse, seria impossível responder. Estou presa dentro de meu próprio inferno.

“Enterrado vivo em território inimigo – ENTERRADO VIVO”

Eu queria que me olhassem nos olhos e me vissem gritar em dor. Eu queria que fossem capazes de me ouvir. Agora eu quero poder não querer mais. Quero ser capaz de conviver com a minha dor, sem precisar de ninguém. Quero que parem de abusar de mim só porque não sei responder.

“Enterrado vivo em território inimigo – ENTERRADO VIVO”

Enquanto sou forjada a ferro e fogo para tomar uma forma que jamais será a minha, penso mil vezes em escapar, de mil maneiras diferentes. Qual doeria menos e qual faria menos sujeira? Eu quero que todos morram. Eu quero ser a única a morrer. Quero fechar meus olhos e entrar em coma.

Mas um grito, um sorriso, um sinal, me tirariam do transe com a mesma facilidade com a qual me jogaram nele. Por isso meus desejos não possuem valor, assim como minhas palavras. Por isso ninguém acredita quando digo que estou agonizando.
 Por mais que eu agonize de novo e de novo, por mais que cada dia eu morra um pouco dentro de mim. 






quinta-feira, 24 de março de 2011

Deleite para a parte livre de mim

Hoje eu fugi. Eu sempre fujo, na verdade. Mas sempre volto.

Hoje à noite eu fugi. Peguei um par de patins e resolvi correr até sentir vontade de parar, por mais que a parte domada de mim tenha me dito pra voltar várias vezes durante o caminho. Eu decidi que só ia parar quando a parte livre de mim realmente sentisse vontade. Então eu fui.

            Eu corri sem me importar com o vento carregado de sal do mar bagunçando meu cabelo, ou com o suor molhando minha roupa. Eu corri sem medo de escorregar com o patins no chão úmido da ciclovia, ou das bicicletas me ultrapassando. Corri simplesmente para esgotar meu corpo sobrecarregado e minha mente doente e hiperativa.
  
            Passei por pessoas que riam e bebiam, passei por pessoas que voltavam cansadas do trabalho, passei por pessoas fumando maconha e me olhando com expressões mal-encaradas. Todas elas passando por mim em nada mais que um borrão. Nenhuma delas deixando alguma impressão em mim.
           
            Eu finalmente passei a sentir meu corpo e, principalmente, minha mente relaxarem conforme a iluminação ia se tornando precária. Nada como a escuridão soturna e o silêncio encoberto por minhas músicas favoritas tocando em alto volume nos meus ouvidos para me trazer paz. Parece estranho; mas qualquer pessoa que viva em uma casa vinte e quatro horas por dia barulhenta me entenderia. E escuridão é sempre mais acolhedora que a luz. O silêncio machuca muito menos que palavras vazias.

            O mar foi se tornando cada vez mais próximo de calçada e, como sempre, senti-me irremediavelmente atraída. Em noites assim tenho a nítida impressão de que eu seria capaz de caminhar sobre aquele mar, tão escuro e calmo, quase sólido. A parte domada de mim gritando avisos de perigo, ir para perto da água naquela área escura é certamente um ato autodestrutivo. Mas essa era a noite da parte livre, que há tempos se debate dentro de mim para ser ouvida. Patins arrancados dos pés, pular o muro para as pedras destinadas a evitar a erosão causada pelas ondas. A falta de luz fez com que eu quase não pudesse ver as baratas marinhas fugindo dos meus pés. Atenção redobrada, Deus sabe a quantos decibéis gritaria se eu acabasse por esmagar uma delas descalça. E, assim, mergulhei na escuridão.

            Pisando na areia livre de qualquer ser vivo que eu pudesse esmagar, me permiti olhar ao redor. Tudo o que pude pensar naquele momento foi “Obrigada.” Às vezes nos damos conta de que cada momento é um presente que nos foi dado. Não só os bons, que nos permitem sentir alegria e admiração, mas também os ruins, que nos permitem aprender. Sem os momentos ruins não seríamos capazes de admirar ou sequer reconhecer os bons.  Um clichê extremamente verdadeiro.
           
            Permiti que a água fria tocasse meus pés enquanto olhava embriagada as águas negras se fundindo ao céu escuro. Era impossível dizer onde o mar acabava e o céu começava. Não havia horizonte e, naquele momento, a sensação de liberdade que costumeiramente me invade quando olho o mar se multiplicou. O mp3 havia sido desligado e o barulho sussurrante das ondas passou a embalar minha mente.
 Mais adiante alguns navios piscavam suas luzes, fazendo-se notar. Era como finalmente conseguir me transportar para outra dimensão. Caso virasse minhas costas, todos os carros e pessoas estariam lá, me esperando. Mas enquanto estava ali, olhando para aquela direção, ao menos um barulho se fazia ouvir.

 A maré subia e as ondas tocavam minhas calças dobradas até os joelhos. Não fui capaz de me importar, até a parte domada de mim se quedava atônita com o que via. O único pensamento que minha mente era capaz de produzir era o desejo de fazer parte daquilo. Tornar-me parte das águas e tocar o céu. Esquecer a gravidade prendendo-me cruelmente ao chão e flutuar até aquele lugar onde o horizonte se tornou invisível. Pude ter essa sensação, mesmo que não saiba dizer se por segundos ou inúmeros minutos. Por algum tempo meus pés não tocaram o chão, apenas a água.

            “Posso ficar assim pra sempre?” perguntei à seja lá qual força maior que rege nossas vidas. Era quase como estar em casa, só o pensamento de ter de me afastar daquele cenário já me doía. O que fazer se tudo dentro de mim gritava para que eu avançasse mar adentro? Talvez, mais pra frente, eu realmente pudesse caminhar sobre aquele escuro. As ondas permaneciam sussurrando seu doce chamado. Atrás de mim faróis e gritos me despertavam para a realidade.

            Por que será que eu penso em me entregar toda a vez que estou em um lugar alto ou em frente ao mar aberto? Talvez seja a tentadora promessa de voar por alguns segundos, aliviar meu peso...

            Agradeci mais uma vez. Meus pés me levaram para trás sem que eu me virasse. Como poderia dar as costas àquele pedaço de paz? Uma pequena dor tocou meu coração quando meus pés tocaram a areia. Mesmo que eu volte no mesmo horário, será outro dia. Jamais o mesmo cenário, jamais os mesmos sentimentos. E era precioso de mais o que eu deixava para trás.

Observei enquanto uma aranha cruzava meu caminho na ciclovia. E não parei quando minhas pernas começaram a doer.

Hoje eu fugi. Decidi que só voltaria quando a parte livre de mim decidisse voltar.
Mas a verdade é que a parte livre de mim jamais voltaria.