sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Despertar

parte 1

O vento frio fez com que seu coque se desmanchasse, e uma gota gélida sobre sua testa fez com que sua pele se arrepiasse, apesar de sua completa indiferença quanto a isso. Seus passos pareciam seguir o ritmo com o qual as árvores balançavam ao sabor do vento. Lembrou-se de uma história antiga, na qual as árvores espertas permitiam-se dobrar seus troncos e galhos ao vento, enquanto as estúpidas ou orgulhosas recusavam-se a se dobrar em uma tempestade e perdiam galhos... Ou a vida. Pensou que talvez nunca fosse capaz de ser uma árvore com instinto de sobrevivência. Jamais havia dobrado um galho sequer.



Elizabeth tentava não respirar enquanto a criada apertava seu espartilho com movimentos bruscos.
- Fora de moda. – Disse, em um tom entediado, como se falasse consigo mesma.
- Ainda assim, muito bonito. – ouviu a criada responder em um tom educado.
- Sim, bonito. Para impressionar os cavalheiros que aguardam no salão, como se eu fosse uma peça a ser leiloada.
Um ranger vindo da porta de madeira maciça alertou a entrada de mais alguém no quarto.
- Sem dramas, Liza.
Elizabeth revirou os olhos antes de se virar para encarar a prima.
- Veio buscar algo, Catherine?
O tom exageradamente meigo com que a resposta “vim apenas ver que fantasia vai usar esta noite” foi dito, denunciou propositalmente a falsidade. Ainda assim seu olhar continuava manso e amigável.
- Ainda não sei. Apenas sei que tem de ser algo com esse gracioso presente dado a mim por meu pai.
Catherine se aproximou da penteadeira, seu reflexo no espelho aparecendo por trás do de Elizabeth, e tocou os fios loiros, enquanto dizia
- Espero que este sarcasmo não tenha sido usado na hora de agradecer ao tio. Isso poderia magoá-lo.
O burburinho vindo do salão se fazia audível agora. O abrir e fechar de portas, os comprimentos, conversas animadas sobre futilidades. Elizabeth suspirou e, durante alguns segundos, observou o espelho. O contraste entre seu reflexo e o da sua prima. Ela com os cabelos loiros, olhos azuis e apele muito alva. O vestido no mesmo tom delicado dos olhos, asas delicadas de borboleta brotavam de suas costas. Elizabeth com os cabelos em um tom intenso de ruivo, os olhos verdes e vestido escuro, combinando com o desconfortável espartilho. As duas se conheciam há mais ou menos um ano, quando Catherine havia voltado da casa de seus tios, na frança. Mas a fama, como de costume, antecedia a pessoa em si. Catherine sempre havia sido a melhor sucedida. Era uma perfeita dama e seria pedida em casamento aquela mesma noite. Elizabeth ainda se sentia em uma vitrine, seu pai fazendo propagandas desesperadamente para que alguma boa alma (rica alma) mostrasse algum interesse pela filha de cabelos revoltos e olhar selvagem.
- Desça e cumprimente nossos convidados. Vai saber qual será a minha fantasia em alguns minutos.
Com um meio sorriso, Catherine se retirou do quarto em passos vagarosos.


O burburinho aos poucos foi diminuindo, até se transformar em silencio total, em questão de segundos. Uma multidão formada pela alta classe encarava atônita. Mais alguns segundos e o mesmo burburinho retornou, com força total.
Ela encarava, no topo da escadaria atapetada. O pó de arroz cobria-lhe as sardas já naturalmente suaves, os olhos eram contornados fortemente em preto, o batom carmim acentuava a palidez da pele, assim como os tons escuros do vestido. Os fios livres do tão costumeiro coque cobriam-lhe ombros, costas e a parte dos seios que era exposta pelo decote.
- E do que esta vestida, formosa dama? – O tom de voz do homem que a encarava era estranhamente reconfortante e profundo, com um leve sotaque francês. Os olhos apresentavam um brilho fugaz e os lábios um contorno definido, mostrando um sorriso tanto presunçoso.
Com um meio sorriso sarcástico, ela deu a resposta.
- Sou um cadáver fresco.
- Formidável. – Ele sorriu, enquanto estendia a mão em um convite para dançar.
- Não creio que as senhoras ali compartilhem da mesma opinião. – Ela respondeu, enquanto apontava a sua esquerda com o queixo, direção de um grupo de mulheres em fantasias conservadoras que a lançavam olhares reprovadores intercalados com cochichos nos ouvidos umas das outras.
- Inveja, suponho. – A mão ainda estendida, insistindo no convite.
Elizabeth se demorou dois segundos analisando o homem a sua frente, era jovem, talvez alguns anos mais velho que ela, corpo esguio, pele pálida, cabelo escuro, brilhante devido ao fixador, roupas alinhadas (que não pareciam ser uma fantasia) e um olhar castanho e sarcástico, para logo em seguida estender a mão e permitir ser guiada ao ritmo da música que tocava.

Os dois deslizavam pelo salão em movimentos combinados, e a cada giro Elizabeth podia sentir o cheiro de colônia que emanava de seu par e a inebriava. As imagens se alternavam em seu campo de visão. O olhar aguçado do rapaz a sua frente, as senhoras com seus vestidos chamativos e olhares reprovadores, as velas, as mesas e... Seu pai.
A música finalmente chegou ao fim. Ela estava ofegante, ele a mirava com o olhar curioso.
- Perdão – Elizabeth começou, afastando o rapaz com a mão em seu ombro. – Este espartilho não me permite mais que uma dança.
Aproximando-se a ponto de encostar seu corpo no de Elizabeth, o homem se inclinou até alcançar uma de suas orelhas. – Deveria se livrar dele, então.
Ela sentiu um formigamento percorrer-lhe a espinha, mas não teve tempo de reagir. Um segundo depois e ele já havia se afastado e tomado uma postura formal.
- Sou Eric, aliás.
- Elizabeth – respondeu, ainda sem fôlego.
- Eu sei. – o sorriso provocante foi acompanhado de uma reverencia, antes que, em um andar suave, ele desaparecesse por entre as pessoas no salão.

Ela então se virou, para encarar o senhor vestido de arlequim com a expressão entre a serenidade e o sarcasmo.
- Mas o que pensa que está fazendo? – A irritação era perceptível em sua voz, mas Elizabeth respondeu em um tom calmo, quase como o que sua prima usara mais cedo, dizendo que não sabia a que seu pai se referia. Quando suas roupas e maquiagem foram apontadas, a resposta foi simples e inocente.
- É minha fantasia, é para isso que servem as festas a fantasia, certo?
- Para se vestir como uma meretriz que não vê a luz do sol?
Ela então pousou a mão sobre o peito, como se tivesse sido ofendida.
- Papai! Eu sou um cadáver!
Ao ver o rosto de seu pai se tornar vermelho, ela acrescentou
- Talvez eu possa ser uma boneca de porcelana, combinaria mais com o papel que quer que eu represente aqui.
Para logo em seguida se virar novamente e seguir o caminho antes percorrido por Eric. Ela não o encontrou o resto da noite, por mais que o procurasse em cada rosto ali presente.

3 comentários:

  1. Bem, eu achei muito bem escrito, e com um toque de fantasia e descrições muito bem feitas, coisa que adoro, e apesar de esta ser a primeira parte, você sabe o que penso do final!
    Acho que você está mudando seu estilo,lembra que eu gostava muito dos seus finais? Ou talvez isso só se aplique ao poemas...

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  2. Lindo Aninha!
    Amei o contooooo
    Quero a continuação o mais breve possivel!
    KSOPAKSOPKAOSPKAOPSK

    PS: Lembrei da festa da fantasia da escola, no ultimo dia (vc com a mesma roupa de elizabeth). kkkk

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  3. Cada vez mais você me impressiona e me encanta com lindos contos como esse.
    ;*** tinkerbell =]

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