sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

parte 2

Os convidados se retiraram um a um, depois do jantar seguido pelo pedido de casamento a Catherine. Nenhum outro homem presente olhou Elizabeth com os mesmos olhos que Eric havia olhado. Um pretendente nunca esteve em sua lista de desejos, sequer entre os mais ocultos, mas alguém que a desejasse verdadeiramente e acabasse com a sua solidão era um de seus anseios secretos, e algo no olhar de Eric havia despertado sua atenção de maneira diferente. Foi pensando nisso que ela vestiu sua camisola e escovou os fios ruivos. E foi esse pensamento que embalou seu adormecer.


A folhagem da arvore balançava musicalmente com a brisa. A luz de uma vela iluminava suavemente o rosto da jovem que dormia, serena, em seu leito.
Seus olhos viam mais do que a imagem proporcionada pela luz da vela mostrava. E seu desejo era de estar ali, ao seu lado, não apenas observando sentado em um dos firmes galhos, através da janela.

A luz do sol penetrou com violência o quarto, ferindo os olhos de Elizabeth. Com um palavrão em seu pensamento e um suspiro, ela abriu os olhos. Seu pai a encarava aos pés da cama.

- Gostaria de ter o mínimo de privacidade, ao menos dentro de meu quarto. – sua voz era rouca e sonolenta.
- Por que faz isso?
- O que?
- Por que se recusa a se comportar como a dama que você é?
Com um bocejo, sentou-se na cama, tentando acordar.
- Talvez eu não seja uma dama, pai.
- Você recebeu a educação de uma, foi criada como uma! Porque faz questão de me envergonhar? Por que aquela cena ontem?
- É tão difícil de entender? Não faço questão de te envergonhar, faço questão de ser livre.
O pai suspirou pesarosamente, e se sentou aos pés da cama. O olhar triste fixo em Elizabeth.
- Um dia, filha, vai ter de entender que ninguém neste mundo é livre.
Depois de se levantar e acariciar o rosto da filha, o velho homem se retirou do quarto rumo a qualquer um de seus tantos afazeres, que o haviam afastado de sua cria desde o princípio. Antes até da perda da esposa que jamais amara, ambos vítimas de um casamento por interesses.

A semana se arrastou tranqüila e estranhamente silenciosa. Sem brigas ou discussões. Elizabeth mal via o pai na maior parte do tempo. Era cada vez mais raro vê-lo a mesa para as refeições.
Elizabeth aproveitou o tempo livre de gritos e tensões para tentar relaxar e aproveitar plenamente seus momentos de lazer, mas sempre havia um pensamento ao fundo lhe roubando o foco. Algo errado estava acontecendo, ela podia sentir. E por várias vezes o rosto de Eric aparecia em seus pensamentos. Ele jamais havia aparecido novamente, e o desejo de revê-lo era crescente.
Ela só soube com certeza o que estava errado em uma noite no começo da semana seguinte, quando seu pai chegou em casa e a chamou para uma conversa. Sua expressão era grave.

A notícia veio assim que Elizabeth adentrou ao gabinete do pai e fechou a porta. Ele a havia arrumado um noivo. Segundo suas palavras, alguém rico e vindo de bom berço, que poderia proporcionar uma vida digna. O casamento seria no próximo mês.

Ele não obteve uma resposta. Mal acabara de falar e Elizabeth havia disparado para fora, a porta bateu em um estrondo que foi ouvido no andar de baixo, pelos empregados preocupados. Antes que qualquer um pudesse impedir,ela já estava do lado de fora, oculta pela escuridão da noite de neblina que prometia uma tempestade.

O vento frio fez com que seu coque se desmanchasse, e uma gota gélida sobre sua testa fez com que sua pele se arrepiasse, apesar de sua completa indiferença quanto a isso. Seus passos pareciam seguir o ritmo com o qual as árvores balançavam ao sabor do vento. Lembrou-se de uma história antiga, na qual as árvores espertas permitiam-se dobrar seus troncos e galhos ao vento, enquanto as estúpidas ou orgulhosas recusavam-se a se dobrar em uma tempestade e perdiam galhos... Ou a vida. Pensou que talvez nunca fosse capaz de ser uma árvore com instinto de sobrevivência. Jamais havia dobrado um galho sequer.
A árvore de folhagem vasta que ficava ao lado da janela de seu quarto encobria a iluminação vinda da casa, ninguém a veria andando por ali, e ela continuaria a andar, sem saber o rumo exato que tomaria.

- Sei que um bom banho de chuva na verdade é saudável, mas eu não a aconselharia a ficar aqui fora, no frio e no escuro.
Elizabeth reconheceu a voz de imediato, virou-se para encarar Eric.
- Com certeza vai ser mais saudável para mim que ficar lá dentro. E você, o que está fazendo aqui? – Ela se esforçava para manter o tom casual na voz, apesar de sua curiosidade estar gritando em sua mente.
- Talvez lá dentro ou aqui fora não sejam as únicas opções. – Ele se aproximou e seu rosto se tornou mais visível para Elizabeth
- O que você quer dizer?
Os olhos de Eric apresentavam o mesmo brilho fugaz do dia da festa.
- Não se esqueça de que Catherine está de volta, a família dela não mora muito longe daqui. Os pais dela acabaram de ir para França, ela está sozinha em casa agora.
Ela arregalou os olhos, seus pés a levaram involuntariamente para trás.
- E como sabe disso?
Eric se aproximou e tocou a face já molhada de Elizabeth, as gotas de chuva começavam a cair com mais intensidade. Ele aproximou seus lábios dos dela vagarosamente, ela pode sentir o toque macio, antes de abrir os olhos e perceber que ele não estava mais lá.
Atordoada, Elizabeth começou a caminhar em outra direção.

Um barulho do lado de fora alertou Catherine, que se espreguiçou e levantou da cama para mandar que um dos criados abrisse a porta.

Elizabeth tremia, tanto por causa do frio, quanto por estar atordoada. Quando a criada abriu a porta, se deparou com uma jovem ensopada e com a barra do vestido suja de lama.
- A Catherine está? - sua voz quase não se fazia audível.
A criada pareceu um tanto desconfortável ao responder que ela se encontrava repousando em seu quarto. Convidou-a para entrar e entregou-lhe toalhas e um vestido de Catherine, antes de ir esquentar água para que Elizabeth pudesse tomar um banho.

Duas leves batidas na porta alertaram Catherine novamente. Elizabeth, já seca e aquecida, havia sido informada pela criada que sua prima estava acordada e gostaria de vê-la.
- Está destrancada.
Elizabeth adentrou ao quarto com passos cuidadosos, que foram interrompidos abruptamente assim que esta se deu conta da cena que presenciava.

Catherine estava sentada na frente de uma penteadeira detalhadamente trabalhada. Ela escovava os fios claros vagarosamente, olhando-se no espelho. O azul de seus olhos era vivaz, e um vermelho intenso manchava de seu nariz a seu queixo, assim como parte de sua camisola.
Na cama, estava alguém já sem vida, envolto em sangue. Alguém que Elizabeth reconheceu de imediato. O noivo de sua prima.
O tempo se tornou algo indistinto. Poderiam ter sido segundos ou horas que ela passara ali, observando a cena sem conseguir piscar os olhos, até que uma mão sobre seu ombro a despertasse de seu tranze. Eric estava ao presente novamente.
Os olhos arregalados de Elizabeth passavam de Eric para Catherine em frações de segundo, repetidamente, procurando respostas que ela não conseguia enxergar.

Catherine passou a manga de sua camisola de seda sobre os lábios antes de se levantar e se aproximar de sua prima que, instintivamente, deu dois passos para trás, até bater no corpo imóvel de Eric.

- Não vamos lhe fazer mal. – O efeito calmante de sua voz fez com que o corpo de Elizabeth parasse de tremer, apesar do que via a sua frente.
- Nenhuma de nós duas foi feita para representar o papel que nos foi imposto, Liza. Eric pode nos ajudar.
Os olhos de Elizabeth voltaram para o rosto de Eric.
- Como?
Ele estendeu novamente a mão, e ela aceitou sem exitar, Catherine não saiu do lugar. Elizabeth deixou-se conduzir para fora da casa, onde um vento frio os recebeu. A chuva havia cessado e os criados não estavam mais presentes. Sentiu a mão de Eric tocar-lhe a cintura e trazer seu corpo gentilmente para perto de si. Ela estremeceu ao contato, não ousava se mexer ou oferecer resistência. Sentiu o toque macio de seus lábios em sua orelha. O sussurro era tranqüilizador e provocante ao mesmo tempo.
- Lá dentro ou aqui fora não são as únicas opções...
Os olhos de Elizabeth se fecharam involuntariamente. Os lábios de Eric desceram vagarosamente, com um carinho sutil, percorrendo o caminho até a base de sua garganta. O abraço antes delicado se tornou mais estreito, como se para evitar que Elizabeth fugisse. O vento frio soprou novamente, fazendo com que sua pele se arrepiasse e ela se estreitasse ainda mais contra o corpo de Eric. Este retirou os fios ruivos que o vento jogara contra seu pescoço e rosto, para logo em seguida cravar os dentes na veia pulsante e visível sob a pele macia, e provar do liquido que começava a jorrar. Os braços de Elizabeth o envolveram, e um som fraco que poderia ser de dor ou prazer escapou por entre seus lábios.
Não havia mais forças para que ela se mantesse em pé. Eram os braços dele que a sustentavam. Sua percepção da realidade já se esvaía quando algo a despertou. Algo quente e estranhamente saboroso tocava seus lábios. Eric a beijava suavemente, e ela sentia o gosto do próprio sangue vindo de sua boca. Seu desejo tanto por Eric quando por sangue a impulsionaram a corresponder com voracidade. Sentiu-se satisfeita depois de ter se alimentado do sangue oferecido por ele.
As explicações vieram na noite seguinte, após todos os seus desejos serem saciados.
Eric encontrara Catherine na França, e lá mesmo a libertara das condições nas quais estava presa desde que nascera. Seus pais estavam mortos, na verdade. E o restante de sua família a considerava desaparecida.
Logo após sua chegada, junto a Catherine, Eric observava Elizabeth, não levou muito tempo até que se decidisse por libertá-la também.





Uma mão delicada, porém forte, o segurava pelo pescoço, cortando-lhe o ar. Tudo que conseguia perceber era dor. Algo prendia seus membros, o impossibilitando de se mover. Com seu último fôlego, ele implorou
- Me liberte e eu te dou o que quiser!
Uma voz conhecida soou em seus ouvidos
- Ninguém nesse mundo é livre.


O barulho da porta batendo fez com que pulasse na cama. Passou a mão na testa, para enxugar o suor. O coração estava celerado. Respirou fundo várias vezes, tentando se recuperar do susto. Desde a morte de sua filha, Elizabeth, pesadelos o perturbavam noites a fio, roubando-lhe o sono e a paz. O senhor se esticou para pegar o copo d’água ao lado de sua cama, quando um vulto próximo a porta tomou sua atenção.
O rosto alvo e plácido de Elizabeth o contemplava agora, próximo do seu. Ela usava um vestido branco, que caída levemente por seu corpo. Estava descalça e sem maquiagem, o que a fazia parecer mais nova do que era quando...
A voz acompanhou seu pensamento automaticamente, saindo entrecortada pelo medo.
- Fan-tasma.
Um meio sorriso se fez em seu rosto, enquanto ela negava com a cabeça.
- Sou um cadáver fresco.


O barulho do vidro se quebrando de encontro ao chão acordou a criada. Quando a porta do quarto foi aberta, havia apenas os cacos do copo pelo chão, e o corpo do velho senhor caído sobre a cama, sangue escorrendo por seu pescoço.
Rastros de sangue conduziam janela a fora, para um lugar onde fosse possível esperar a época em que existiram escolhas e liberdade.

3 comentários:

  1. Conto, interessante q prende a atenção do leitor do inicio ao fim, rico em detalhes q ajuda a imaginar a cena e q faz como se estivessemos no mesmo lugar da estória.

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  2. Você sabe que adoo seus contos. Sou alguém suspeita em dar minhas opniões sobre. Gostei muito desse conto por se passar em uma época passada. Adorei. Deveria fazer um wordpress.

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